Parte 8 – Canção do Exílio
Os dias se passaram, com a labuta que chegava às
dezesseis horas diárias para Miriam. E foi com alegria e ansiedade que recebeu
o sábado, contando as horas para o anoitecer.
Eram mais de sete horas da noite, quando chegou
à praça, montada em sua bicicleta azul.
Ainda estava um pouco claro do dia que se
findava, mas as luzinhas das árvores, do presépio e do coreto estavam acesas,
fazendo um lindo jogo de luzes coloridas e
brilhos difusos com a atmosfera laranja-avermelhada do entardecer.
Miriam encostou a bicicleta no canteiro ao lado
do banco verde de madeira e esperou em sua calma ansiedade.
Joshua morava numa das ruas transversais à
Rodovia Amaral Peixoto, na área nobre do distrito, há duas quadras do Praião. Em sua casa estilo
colonial, de grande quintal bem ajardinado, onde sempre era tranquilo e
silencioso, uma calorosa discussão acontecia, quebrando o sossego e a rotina
daquela pequena família.
— Vocês não podem fazer isso comigo! Eu passei a
semana inteira estudando até de noitão! Vocês não podem me proibir de sair por
umas horinhas! Isso não é justo! É noite de sábado!
— Não é justo o que você aprontou conosco,
garoto! – Maria retrucava, muito
aborrecida. — Você não faz outra coisa na vida além de estudar e ainda assim
fica na dependência de três matérias!
— Eu não me adaptei direito ao colégio, mãe! E
esse ano foi complicado pra mim, tá bom?! Ainda assim, tirei as melhores notas
na maioria das matérias! Vocês estão sendo radicais comigo! Só quero dar uma
volta, pô!
José passou a chave na porta da sala, encarando
irritadiço ao filho. Pouquíssimas vezes Joshua viu seu pai com aquela expressão medonha. Diziam
que quando ele perdia a paciência, a universidade inteira se calava e se
encolhia.
— Não há justificativas para o seu
comportamento, Joshua! Você nos desrespeitou por duas vezes! Primeiro ficando
em dependências e agora nos afrontando dessa maneira!
— Mas, pai...
— “Mas, pai” coisa nenhuma! Você está proibido
de sair de casa até passar nas provas de recuperação! E ficará sem televisão e
computador! Quero você em seu quarto, só diante dos seus livros e cadernos!
Você tem tudo muito fácil, Joshua! O mínimo que pode fazer para retribuir à sua
boa vida é tirar boas notas e passar de ano! Vá para o seu quarto agora,
estudar!
Joshua engoliu a raiva e o pranto, se
controlando para não sair chutando o que houvesse no caminho. Mesmo assim não
resistiu em bater a porta do quarto com estrondo.
Encostou-se à porta, sentando-se no chão. Levou
as mãos à cabeça, em desespero.
— Droga! A Miriam vai pensar que eu tô
sacaneando ela! Por favor, meu Deus! Que ela não esteja me esperando na praça!
~*~*~*~
Eram quase nove horas e a noite descera
completamente. A praça e arredores estavam com sua típica e minguada
movimentação, de algumas crianças a brincar; dois ou três casais a namorar; um
grupo de amigas que circulavam; outros mais dispersos que estavam pelas
mesinhas do bar próximo; os dois pipoqueiros que ficavam em cada
esquina.
As luzinhas brilhavam, piscavam, dançavam,
fazendo uma coreografia ensaiada que se contrastava com a negritude da noite.
Alguns cupins ainda se debatiam contra as luzes amarelas dos postes, e o Museu
Casa de Casimiro de Abreu cerrava suas portas.
Miriam olhou pela última
vez para o relógio de pulso. Levantou-se, pegou a bicicleta, montou e saiu...
com sua luz apagada.
Continua...
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