Parte 13 – Sempre Sonhos!
Por pouco Joshua não se tornou um bom e fiel
católico.
Desde aquela missa em que reviu a sua Sereia Negra, ele passou a ir todos os
domingos à Igreja Sagrada Família, às vezes mesmo sem a companhia dos pais.
Mas, por algum acaso, não tornou a encontrar Miriam. Talvez ela não
frequentasse tanto assim a igreja quanto ele pensou ou, se frequentava, deveria
ser em qualquer outro horário que não aquele das 10 horas da manhã.
Todos esses fatos contrários aos desejos de
Joshua só o fizeram mais frustrado e raivoso quanto à sua condição de aluno em
recuperação. E foi essa raiva que o fez vencer a dependência com as notas
máximas, conquistando em definitivo a sua liberdade que antes era apenas
condicional.
De qualquer forma, essa liberdade parecia ter
perdido importância, visto que não conseguia mais reencontrar Miriam, depois
que, finalmente, achou o presente perfeito para ela. Quase “montou acampamento”
no final do Praião e na Praça As Primaveras, esperando rever a garota... mas
sem êxito.
Era segunda-feira, véspera de Natal. Enquanto a
irmã, a mãe e o pai se divertiam em organizar a ceia, Joshua permanecia
introspectivo, distante, sentado sobre o muro baixo do quintal, olhando o nada
na rua deserta de calçamento em paralelepípedos. O dia estava bonito, com
nuvens plumosas no céu muito azul e o festivo Sol de Verão. De onde estava,
ouvia as ondas estourando no Praião e os passarinhos fazendo algazarras na
amendoeira da casa.
Madalena chegou sorrateira e, vendo o irmão tão
distraído, pensou em dar-lhe um susto, mas desistiu no último instante.
Estendeu a taça com a salada de frutas que ajudou preparar.
— Nossa, que coisa! Esse tiro do cupido foi à
queima-roupa mesmo, heim! Nunca vi nem o Tiago dessa forma, e olha que ele é
todo sentimental!
— Pois é... – Joshua concordou, catando primeiro
as frutas preferidas dentro da salada. — Nem eu tô me reconhecendo! Já tô me
achando um pateta ridículo com isso!
— Não é pra tanto... o que mais pretende fazer?
— Do jeito que tô me sentindo? Vou é desistir
dessa parada! Mas vou entregar o presente dela de qualquer jeito, mesmo que ela
nunca o receba!
— Hum? Como assim? – Madalena parou a colher
cheia de pedacinhos de fruta a meio caminho da boca, olhando espantada para o
irmão.
O garoto devolveu um olhar decidido, quase frio,
à irmã.
— Vou deixar o
hashi com um cartão endereçado à Miriam, lá na árvore da praça. Quem
sabe alguém que a conheça encontre e estregue pra ela?
~*~*~*~
Dias bons e leves, de atmosfera alegre, tendem a
passar muito rápido. E foi dessa forma que passou a segunda-feira, 24 de
dezembro. Já eram mais de oito da noite quando Joshua saiu do banho. Depois de
pronto e arrumado, pegou o presente de Miriam, juntamente com o cartão que
afixaria na Árvore de Natal da praça. Ao menos, ele cumpriria a sua promessa.
Saiu às pressas de casa, sob perguntas e
protestos de Maria e José, que ele
respondeu evasivamente, dizendo que não demoraria na rua. Madalena sorriu
cumplice, mas manteve o segredo que o irmão confiou apenas a ela.
Chegou em cinco minutos à praça, montado em sua
bicicleta de alumínio. Estranhou as ruas tão vazias e a praça tão deserta – nem
os dois pipoqueiros estavam fazendo ponto na beira da calçada.
Não se ligou nisso por muito tempo. Como um
refugiado de cidade grande, Joshua tinha seus receios de lugares vazios,
especialmente à noite, mas ignorou o alerta padrão do seu instinto de
sobrevivência. Deixou a bicicleta encostada em um banco e caminhou até a Árvore
de Natal, parando adiante com reverência.
Por mais estranho que fosse, aquilo lhe era
importante, pois foi um momento marcante em sua jovem existência. Olhou a
árvore de baixo à cima. As luzinhas piscavam em cadências variadas, como se
bailassem em volta do pinheiro feito de palmeira. Os olhos do adolescente chegaram
à estrela no topo, que brilhava de forma tão intensa que parecia faiscar! Então
Joshua percebeu, acima da árvore e da estrela, a forma de foice luminosa da Lua
Crescente. Por algum motivo que ele desconhece, aquela visão o levou a um quase
transe.
— Joshua...?
O corpo de Joshua estremeceu ao ouvir o seu nome
ser chamado de forma vacilante. Desceu lentamente o olhar para a direção da voz
fina que o chamara mais uma vez, agora com uma entonação preocupada. Mas,
devido à pouca luminosidade da praça e por suas retinas estarem feridas pelas
luzes, fazendo ver apenas pontos luminosos coloridos piscando diante dele,
custou a perceber quem se encontrava à sua frente.
— Você está bem?
Após piscar em profusão, o embotamento de sua
mente se dissipou, e Joshua quase pensou que delirava! Miriam, com um
vestidinho branco bordado sob um casaquinho azul celeste, estava diante dele,
com os cachinhos soltos e iluminados pelas lampadinhas coloridas. Ela era mesmo
uma Aparição!
— Miriam! Eu... poxa! Me perdoa! Eu nunca quis
te dar um bolo! Não foi a minha intensão ter cortado o contato contigo dessa
forma!
A menina negou com um meneio, sorrindo
complacente, tendo não apenas os olhos e o sorriso luminosos, mas ela inteira.
— Você não me deve nada, Joshua! Eu também não
ajudei em nada, desaparecendo um pouco daqui de Barra! Eu moro do outro lado da
ponte, em Aquarius. E como lá é tumultuado se comparado com aqui, você não
conseguiria me encontrar se pensasse em me procurar por lá. Joshua sorriu, sentindo um peso invisível sair
de seus ombros. — Então, você... não está com raiva de mim? Não pensou que eu
tivesse feito de propósito?
Suspirando profundamente, Miriam desviou o rosto
para o outro lado da praça, onde ela avistava o Presépio e o coreto decorado.
— Bem... sim. No início eu pensei que você só
tivesse tirado uma com minha cara! Mas, aí quando a raiva esfriou, pensei
direito e... cheguei a conclusão que você não podia ter falhado em nada, se não
se comprometeu com nada.
— Mas eu me comprometi, sim! Eu insisti para nos
vermos novamente e até te prometi...
Joshua lembrou-se do porquê de estar ali,
naquela praça, àquela hora e em plena véspera de Natal. Olhou para o pequeno
embrulho em suas mãos, com um cartão natalino colado.
Não fora um golpe de vista. Fora mesmo uma Estrela Cadente! E o seu
pedido não foi apenas atendido, como também veio bonificado. Miriam o
desculpou, sem que ele tivesse a oportunidade de se justificar e se desculpar!
Desembrulhou o hashi, enfiando o papel de
presente e o cartão no bolso traseiro do seu jeans. Com ambas as mãos, estendeu
o prendedor à garota, como se oferecesse a ela uma coroa cravejada de pedras
preciosas. Mas, para ele, aquele simples porém bonito objeto valia mais que
qualquer joia cara!
Com a mesma solenidade que Joshua estendia o
palito de cabelos, Miriam o pegou. Manuseou como fosse cristal delicado.
— É... lindo!
— É... perfeito para você!
Pelos instantes em que ficaram se admirando,
Miriam se lembrou, por sua vez, o que ela veio fazer na Praça As Primaveras.
Retirou do bolso do casaquinho um embrulho, com
um cartãozinho e um laço preso ao papel decorado. Era o presente que confeccionou para Joshua e
deixaria entregue na Árvore de Natal. Faria um pedido para que, de alguma
forma, o pacotinho chegasse até ele.
Lembrou-se, então, do pedido que fez quando a
sétima onda estourou na praia, antes de ela entrar no mar para procurar por uma concha que se
encaixasse na pulseira que trançaria. O seu pedido foi atendido e com bônus!
— Eu fiz isso para você...
Envolveu o pulso de Joshua com a pulseira feita
em palha fina, adornada com sementes vermelhas e conchinhas escuras. Ficou um
bonito contraste com a pele do garoto, que agora era negra e não mais pálida
por falta do Sol.
Fosse pela emoção do momento, fosse porque
realmente existe a Magia do Natal, pontos luminosos começaram a vagar e
envolver Miriam e Joshua numa miríade de luzes coloridas. A estrela artesanal
refulgiu, tendo a foice lunar acima a envolver com sua própria luz. Etéreo e
distante, como se viesse do interior da restinga e se mesclasse às águas do São
João, uma música que lembrava harpa e oboé enchia o silêncio da noite, envolto
do farfalhar da brisa nas folhas das árvores e arbustos. E neste cenário
onírico, duas almas se reconheceram e se consolidaram.
FIM
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