Durante quatro séculos o Brasil foi um pais oficialmente católico. Porém, ao contrário dos países europeus em que a Igreja atuava como Estado, aqui ela era subordinada ao Estado.
Quando Portugal começou as suas navegações no intuito de descobrir novas terras, o Vaticano havia concedido a ele o direito de padroado sobre as igrejas que seriam instaladas nas novas terras conquistadas, uma extensão das Cruzadas, atingindo lugares jamais antes imaginados, fazendo com que a Igreja alongasse as suas asas imperialistas a todos os povos do mundo. Portugal descobria, invadia, saqueava e colocava sob jugo as novas terras e, de bônus, angariava novas almas para a Igreja – à força.
O padroado concedia a Portugal o controle sobre as igrejas e aos religiosos nas novas terras, portanto, no período colonial, a Igreja dependia muito mais do Estado do que do papado, pois era o rei de Portugal que construía os templos e mosteiros, dotava-os de padres e religiosos e nomeava os bispos. O clero fazia parte do funcionalismo público, remunerado pelo Estado.
Em 1827, o padroado passou da Coroa Portuguesa para o Imperador Dom Pedro I, tornando o catolicismo a religião oficial do Estado Brasileiro. Mas o jugo religioso acabaria em 1889.
Com a proclamação da República em 1889, foi institucionalizada a neutralidade do Estado com as questões religiosas, tornando o Brasil um Estado laico. Já na primeira Constituição, de 1891, foi redigida a liberdade de culto, o que implica à liberdade de associação, reunião, expressão e à livre concorrência entre as organizações religiosas. Portanto, com a laicização do Estado, novas religiões puderam aportar no Brasil e, inclusive, criar-se uma legitimamente brasileira e, tal qual o seu povo, tão sincrética e miscigenada quanto!
Umbanda, a Religião brasileira.
Surgida no Rio de Janeiro na década de 1920 com o nome de “Macumba”, apenar de ser uma das vertentes do Candomblé, é uma religião aberta a todos e não somente aos afro-descendentes, como as outras religiões afros no Brasil.
Diferente das outras está também a sua despreocupação em conservar as raízes africanas e com o movimento de reafricanização, como ocorre com o Candomblé e suas congêneres.
A Umbanda é uma religião brasileira e não afro, embora possa chamá-la de Afro-Brasileira. É uma mistura, como é o povo brasileiro. Em seu sincretismo há elementos de religiões dos quatro cantos da Terra, assim como o seu povo: as crenças e tradições das religiões africanas e seu panteão de Orixás (deuses); o Catolicismo popular, o que se miscigenou com o misticismo indígena e africano; e o sincretismo hindu-cristão do Espiritismo “Kardecista”. Esta é a Umbanda, um sincretismo religioso originalmente brasileiro.
O panteão herdado do Candomblé soma-se aos espíritos-guias brasileiros, fazendo da Umbanda uma religião única, singular. Na África, o panteão conta com cerca de 400 Orixás, mas apenas 20 deles são cultuados no Brasil pelas religiões remanescentes: Exu, Ogum, Oxossi, Ossaim, Oxumarê, Omulu, Xangô, Iansã, Oba, Oxum, Logum Edé, Iemanjá, Nanã, Oxaguiã e Obatalá. Além desse panteão, há os espíritos guias, inferiores aos Orixás: Caboclos (índios brasileiros), Pretos-Velhos (espíritos de escravos) e os Baianos, agrupados na Linha das Almas ou Linha Africana.
Esses espíritos guias são os intermediários entre os humanos e os Orixás, e são divididos por falanges denominadas ‘Linhas’, encabeçadas ou não por um Orixá, sendo sete as Linhas mais tradicionais: Linha de Oxalá; Linha de Iemanjá; Linha de Oxossi; Linha de Xangô; Linha de Ogum; Linha do Oriente; Linha das Almas.
Na Linha do Oriente junta-se mais um elemento de outros povos: os ciganos. Em alguns terreiros, a Linha do Oriente é substituída pela Linha das Crianças, que agrupa os Erês (espíritos de crianças) e é presidido pelos Orixás gêmeos Ibejis, que são, na verdade, os santos católicos Cosme e Damião.
A vertente da Umbanda, a Quimbanda, cultua Exus e Pombagiras, que são espíritos guardiães de polaridade masculina e feminina. Nesta vertente, o trabalho religioso tem o auxílio da magia.
A Umbanda continua se sincretizando, cada vez mais abrangente de culturas, cada vez mais singular e totalmente brasileira. Atualmente, tem incorporado outras práticas místicas e até terapêuticas holísticas da Nova Era.
Sem barreiras de classe, escolaridade, origem étnica ou racial, se propaga em todas as regiões do Brasil. A Umbanda só é possível por haver aqui algo igualmente único: o encontro cultural de diversas crenças e religiões dos povos de todo o mundo, contidos numa única nação.
OBS: Este
texto foi escrito em meados de 2009 e, na ocasião, o livro utilizado
como referência sobre a Umbanda foi o "O livro das religiões", dos
autores Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notaker. A versão
brasileira do livro trás um apêndice que trata da Umbanda e hoje, depois
de alguns estudos e pesquisas sobre o assunto, vemos o quanto o autor
de tal apêndice estava desinformado em relação à Umbanda. Portanto, esta
última parte do texto não condiz com a realidade e história da religião
brasileira, que é muito mais ampla, complexa e rica.
@patkovacs.
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